Eu estava na aula de Química, meio entediada pois a Rafa e a Bruna tinham ido embora porque tinham aula vaga. Eu sentia um aperto no coração e uma vontade imensa e inexplicável de chorar, mas me segurava ao máximo, apesar da dor também aumentar. Eu não conseguia prestar atenção na aula, para mim a professora Karina dizia um monte de baboseiras sem sentido e, como eu já tinha passado na matéria dela, não tinha mais nenhum interesse em aprender.
A dor aumentou de uma forma tão grande que eu pensei que tivesse acontecido alguma coisa com a Rafa, por causa da nossa conexão espiritual. As lágrimas rolam pelo meu rosto sem parar e manchava um coração que eu havia desenhado entre o meu nome e do André. Ninguém percebeu, exceto Alice, uma das únicas amigas que eu tenho daquela sala:
- Você está bem, Bia?
- Nada demais, é que minha tia está internada e hoje vai sair o resultado do exame para ver quem da minha família pode doar a medula para ela. - menti.
- Não precisa mentir para mim, - disse ela, me dando aquele abraço reconfortante – eu sei que está preocupada com ele. Mas tenha certeza de que vai dar tudo certo, tô torcendo por vocês.
Eu consegui até dar um sorrisinho, mas a dor era tão forte que o sorriso logo desapareceu e minha vontade de gritar e chorar era cada vez maior, porém não havia mais lágrimas e eu não podia gritar em plena sala de aula, me chamariam de doida varrida e me internariam no hospício, tudo por não saberem o que eu passei e não sentirem a mesma dor inexplicável que eu sentia.
Era meio-dia, quase hora de ir embora e eu já estava me sentindo melhor, a dor já passara, mas no lugar dela havia uma agonia enorme que me dava vontade de sair correndo ao encontro do André, independente da sala que ele estivesse, e falar em público tudo o que eu guardei durante 6 meses, em todos os intervalos em que o admirava a distância com a esperança ingênua de que ele se interessaria por mim num passe de mágica.
Eu estava prestes a adormecer quando uma garotinha que tinha lá pros seus cinco anos entra na sala. Todo mundo olhava para ela e fazia comentários do tipo 'olha, a mini-bia!' olhando para mim. Será que eles acham que eu tenho irmã? Pena, eu bem que gostaria de ter uma... e o mais estranho disso tudo era que ela parecia muito comigo, muito mesmo.
Ela tinha os cabelos negros encaracolados em um rabo de cavalo meio frouxo, o nariz arrebitado, bracinhos frágeis e estava usando vestido e sapatilhas lilazes. Ela era idêntica a mim, até a pinta dupla na bochecha ela também tinha. Mas os olhos tinham alguma coisa de diferente, não havia aquele ar de perplexidade que meu olhar tinha; e seus dentes eram tão retinhos, não eram como os meus que pareciam da Mônica, quer dizer, mais ou menos. Eu não conseguia lembrar de ninguém que tinha aquele mesmo olhar e sorriso e tentava descobrir enquanto ela inexplicávelmente cochichava com a professora que olhou pra mim com uma cara meio assustada, mas que depois se desfez quando ela se aproximou de mim, dizendo com uma voz mais calma do que normalmente:
- Se você tivesse me avisado antes, nem precisaria entrar na minha aula, suas notas estão boas mesmo.
- Avisado de quê, profe? - disse eu, confusa e curiosa para saber o que a garotinha disse e que logo falou:
- Esqueceu-se do transplante da titia? Saiu no exame que você é a única que pode salvá-la. Vamos rápido, não temos muito tempo!
Hã? Rebobina o DVD! Ela usou a mesma desculpa que eu, não pode ser! Mesmo não acreditando na façanha da pequenina, arrumei logo as coisas e fui com ela, que ao fechar a porta disse:
- Não está me reconhecendo, mamãe? Sou eu, a Anny! Ok, isso não vem ao caso agora. Eu vim aqui dizer que o papai disse que vai embora hoje da cidade e que nunca mais voltará. Sabe o que isso significa? Significa que você não terá chance nem de falar um 'oi' pra ele pessoalmente, não terá a possibilidade de construir um futuro com ele, e o pior, eu não vou nascer. Por isso eu vim, parar salvar o destino de vocês e garantir o meu futuro, ou pelo menos o meu nascimento.
Eu não acredito! Anny, minha filhinha, ali, bem na minha frente! Não pude conter a emoção e abracei bem forte. Ela logo se desvencilhou dos meus braços:
Não temos tempo para essas baboseiras agora, temos de correr, não há muito tempo!
Ela me puxava pelo braço, até que chegamos numa das mesas do pátio e eu interrompi a nossa corrida:
- Mas espera aí, se eu sou sua mãe, quem é seu pai?
Ela me olhou com uma cara de 'não-acredito-que-logo-você-me-perguntou-isso':
Eu só vou te dar uma dica, meu nome: Annabelly Anjolin Vitoriano. Qual é o único garoto que você conhece, que é apaixonada por ele e que tem esse sobrenome?
Nada mais de dúvidas, ele seria o pai da minha Anny, aquele olhar e sorriso eram dele! Nós tínhamos chance de construir um futuro, o futuro no qual sempre sonhei. No mesmo instante, imaginei-me numa varanda, sentada numa cadeira de balanço e grávida de cinco meses, enquanto Anny brincava ao meu lado com suas bonecas até que avistava o pai estacionando o carro e saia correndo alegremente até se aconchegar num abraço cheio de ternura. Era tão lindo...
Quando subitamente acordei para a realidade, Anny me olhava com cara de brava, batendo o pé direito no chão, com a mão esquerda na cintura e estalando os dedos da mão direita na frente do meu rosto:
- Hello! Acorda, meu pai tá bem ali, passando pelos banheiros. Você vai ficar sonhando aí e deixará ele ir?
Na hora me deu um instinto de Edward Cullen... Peguei minha filha, coloquei nas costas e pus toda a minha agilidade nos pés para alcançá-lo. Minhas pernas começaram a pesar, como fossem chumbo, e para me ajudar muito, as pessoas não saíam da minha frente. Para minha sorte, ele andava vagarosamente, e eu saía empurrando todo mundo com a Anny nas costas e as pernas lentas e pesadas como chumbo, porém eu não desistiria, não deixaria que ele fosse embora.
Eu só consegui uma vantagem quando ele estava chegando no ponto de ônibus. Já tinha me cansado de carregar a Anny, então coloquei-a no chão:
- Agora você vai andar, eu sou jovem mas não te aguento por muito tempo! Já me basta seu tio Leonardo pular em cima de mim quando estou deitada no sofá na casa da sua vó!
As pernas não pesavam mais, mas a multidão ainda fazia uma 'muralha da China' entre nós duas e o André e atrapalhava mais do que um milhão de crianças gritando no meu ouvido. Eu consegui me desviar da multidão, mas perdi-o de vista. Quando consegui avistá-lo, ele estava no quinto lugar da fila onde estava um ônibus, pronto para partir. Eu e a Anny sabíamos que, se as portas daquele ônibus se fechassem ela desaparecia e o meu tão-sonhado futuro não se realizaria:
- NÃÃÃOOO!!! - um grito mudo saiu de nossos lábios ao vê-lo chegar mais perto da porta.
Naquele momento, enquanto corria em direção a ele, comecei a pensar em tudo o que eu sentia por ele, tudo o que eu nunca senti com tanta força e intensidade por ninguém, ainda menos por alguém que eu não conhecia, alguém que mudou minha vida sem saber e me fez conhecer o que o verdadeiro amor pode fazer com uma pessoa: transformá-la no mais amável dos seres existentes na Terra.
Consegui alcançá-lo quando estava subindo no ônibus e toquei no seu ombro. Quando ele vira para trás...
Manhã de quarta, ensolarada manhã, escola Alberto Conte, hora do intervalo. Torno a vê-lo como todos os dias, conversando com seus amigos, despreocupadamente. Será que é verdade? Será que ele vai embora mesmo? Ou a loucura já dominou totalmente a minha mente e me fez pensar nessa barbaridade?
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